A 2Ddificação do Mundo

Por Mauro Andrade | Publicado originalmente em 25/06/2024 no extinto "Mantenotas"


O mundo tá caminhando pra tudo ser feito em 2D. As telas, a propaganda, a realidade retratada em 2D. Imagens de cristal.

O mundo tecnológico força a 2Ddificação das nossas vidas. Até os "terceiros espaços1", lugares onde outrora havia a possibilidade de comunhão entre as pessoas conhecidas e desconhecidas, como praças, cafés, aeroportos, livrarias, parques, salas de espera... são esvaziados pela fixação da nossa atenção em telas 2D. Mas por quê?

Porque até mesmo atividades que antes eram indispensavelmente presenciais... em 3D e "4D"... agora temos a opção de participar delas em 2D. Audiências, banco, consultas, reuniões. Fodas. Tudo isso dava mais trabalho de fazer presencialmente e era também mais caro.

Só que agora, por passarmos o dia todo em 2D, quando chega a noite estamos cansados demais pra agir em 3D (conversar), em 4D (transar, se exercitar), 5D (meditar, sonhar, transcender).

O amor da sua vida pode ter passado na sua frente enquanto você esperava o 704 no terminal 5, mas você não o viu porque tava de cara pro celular. Até esperando o elevador chegar do térreo ao subsolo, sua cara está no celular. Na porra do celular, como diria seu avô (que agora também é absolutamente culpado de incentivar golpes de estado pelo Whatsapp).

Um dia eu estava esperando a minha vez numa entrevista de emprego, onde havia vários outros candidatos reunidos também aguardando sua vez de serem entrevistados. Quando eu cheguei no local, um pouco atrasado, todas as cadeiras já estavam ocupadas, exceto lá pelo meio de uma fileira que, em cada uma de suas pontas, sentavam duas mulheres muito bonitas.

Uma delas era morena, alta, trajava um terno vermelho, combinando com a calça social de linho, tinha os cabelos bem alisados, usava um batom forte e escuro, combinando com um salto alto preto, mas discreto. Ela era absolutamente um espetáculo (aos meus olhos). Já a outra estava de máscara, vestia uma camiseta de banda, uma calça despedaçada e um tênis fudido.

Eu olhei para elas e fiquei realmente em dúvida acerca de perto de quem eu sentaria pra começar a conversar e quem sabe me salvar do tédio de esperar a hora da minha entrevista. Só que a primeira estava de cara pro celular. Enquanto a segunda apenas tinha o olhar preso num horizonte de ansiedade e nervosismo, encarando o nada...

Então eu resolvi sentar perto e falar com essa última. E hoje, pasmem, ela é... uma das minhas melhores amigas por ser a mulher mais sapatão que eu já conheci na vida (não sei como eu não percebi isso antes, mas tudo bem). E nós dois fomos contratados!

Só pra ilustrar que coisas boas podem vir do mundo 3D. Mesmo ele sendo um lugar um pouco inóspito e menos polido do que o representado em nossas telas 2D.

Basta ter um pouco de audácia. A vida em 3D, 4D e 5D ainda vale muito a pena ser vivida.

Até semana que vem,

~ Mauro

Imagem motivacional: Levanta a cabeça

Já levantou a cabeça hoje, minha princesa/meu rei?


1 “[…] o third place é o local onde as pessoas socializam, se divertem e trocam ideias com amigos e estranhos que conhecem nesse ambiente e no qual passam o tempo quando não estão em suas casas (que seria o primeiro lugar) e seus trabalhos (o segundo). O sociólogo Ray Oldenburg defende que uma vida saudável precisa de um equilíbrio entre todas as pontas desse tripé. Cafés, bares, academias, livrarias, restaurantes, igrejas e espaços públicos são, na visão dele, são os nós sociais de uma comunidade. Os locais onde as pessoas podem se encontrar e formar laços.”

~ Via Movimento Somos Cidade - Conceito de terceiros lugares reforça importância de espaços sociais para a criação de comunidades. Acesso em: hoje, antes de eu escrever isso, 2024. Disponível: ali no link.